CAMPECHE – OFICINA LÍTICA NO LITORAL BRASILEIRO

Por: Dalton D. Maziero - 26/01/2025

O estudo dos homens litorâneos, que ocuparam há milhares de anos a faixa costeira brasileira, parece ser fonte inesgotável de descobertas. Antes relegados a meros “comedores de moluscos do mar”, descobriu-se com o tempo que formaram uma sociedade complexa, com hierarquias sociais, códigos iconográficos, rituais e comércio regional que se expandiu por diversas regiões. A Ilha de Campeche (SC) é apenas um desses locais, que comprovam a complexidade do passado brasileiro.

A ilha de Campeche, localizada nas proximidades de Florianópolis - SC, possui uma das maiores concentrações de gravuras rupestres do nosso litoral. Tombado pelo IPHAN (Patrimônio Arqueológico e Paisagístico Nacional) desde 2000, ele é reconhecido também como uma importante oficina lítica do passado, uma “fábrica” onde se produziam pontas de lanças e artefatos de caça, pesca e de uso diário para a população da região, conhecidos como sambaquieiros.

Com o passar do tempo, a ilha mostrou-se um importante local para o comércio e, possivelmente, para rituais específicos dos povos do litoral. Prova disso foi sua longa ocupação humana não apenas pelos sambaquieiros, mas também por guaranis e taquara-itararé, grupos que navegaram até ela e deixaram vestígios de cerâmicas e desenhos rupestre em suas rochas. Acredita-se que todos esses senhorios fizeram da ilha, um local sagrado para seus próprios ritos fúnebres ou voltados a eventos da natureza.

Arqueólogos encontraram dez sítios arqueológicos espalhados pela ilha de Campeche, com mais de 100 petróglifos talhados em suas rochas, em especial nos costões rochosos de frente ao mar. Dentre os sítios arqueológicos destacam-se Pedra Petra do Sul, Triste, Letreiro e Pedra Fincada. Ao todo são nove oficinas líticas, onde se amolavam pedras através da fricção de rochas, areia e água. Os sulcos “circulares” existentes em rochas duras, próximas às fontes d’água, são provas físicas desses espaços.

Os petróglifos encontrados em Campeche fazem parte da Tradição Litorânea, onde as rochas eram raspadas até formarem depressões e sulcos em baixo relevo. Essas figuras geométricas formam painéis e conjuntos gráficos – geralmente voltados ao mar – e são constituídos por linhas retas ou onduladas, circunferências, pequenos triângulos e uma forma conhecida como “máscara”, de difícil interpretação, onde podemos ver linhas oscilantes que se encontram em um determinado ponto central da imagem. São raras as figuras humanas e de animais.

Contudo, essas manifestações rupestres vão além da Ilha de Campeche. Elas podem ser encontradas ao longo de 120 quilômetros de faixa litorânea do Estado de Santa Catarina, formando um padrão iconográfico que parece operar como um código simbólico associado ao ambiente marinho. Assim, essas representações talvez criassem uma identidade entre os diversos grupos que coabitavam a região há cerca de 5 mil anos a.C.

Como tão acertadamente afirma a pesquisadora Fabiana Comerlato (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) em seus estudos: “cabe a nós, cidadãos de todos os lugares e de todas as origens, reconhecer esta memória rupestre como genuína expressão artística dos primeiros habitantes destas praias e mares. Estas representações rupestres, deixadas a partir do pensamento de homens e mulheres imbuídos de fortes laços com o ambiente marítimo, fazem parte de nossa herança cultural e sua preservação garantirá, às futuras gerações, a possibilidade de conhecer este patrimônio gravado nas rochas”.

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e editor da revista Gilgamesh. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a página: (https://www.revistagilgamesh.com.br)  

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