O MENINO DO ACONCÁGUA

 


Por: Dalton Maziero - 25.04.2023

Na manhã de 08 de janeiro de 1985, um grupo de andinistas argentinos caminhava rumo ao topo do Aconcágua, o pico mais alto das Américas. Aos 5.300 metros de altitude, observaram uma zona sem gelo, o que não é comum para essa altitude. Mas o que chamou a atenção do grupo foi uma estranha formação de pedras, e o que parecia ser uma pena de ave, negra e amarela.

O achado mostrou ser uma sepultura Inca contendo um menino de sete anos, sacrificado em um ritual muito específico, chamado capacocha, aparentemente com o objetivo de manter o equilíbrio cósmico e os favores climáticos dos Apus, representados pela montanha sagrada. Geralmente, esse tipo de cerimônia acontecia durante os meses de colheita e, além dos Apus, também era dedicado ao Sol. Os rituais mais importantes eram acompanhados de perto pelo Inca e sua corte em Cusco. As crianças elegidas para o sacrifício eram tratadas de forma especial e elevadas ao nível do sagrado: deviam ser belas, sem imperfeições físicas e de boa saúde, pois elas seriam as representantes da divindade Inca após a morte.

A ausência de zonas necrozadas nas células e tecidos do corpo da criança, indica que ele chegou ao local de sacrifícios com vida. Seu cadável estava envolto em mantas e desidratado pelo frio. Pesava apenas 11 quilos, mas acredita-se que este peso represente 1/3 do original. Ao seu lado, foram depositadas seis estatuetas de ouro e prata, além de colares de pedras coloridas, objetos de fibra vegetal e madeira, além de uma túnica de algodão com desenhos geométricos e aves, típico dos encontrados no litoral peruano. Muito provavelmente ele foi embriagado ou narcotizado antes de lhe aplicarem um violento golpe que lhe comprimiu as vértebras, causando-lhe a morte.

Mas o que faz desta descoberta, algo tão especial? Em 2015 a Universidade de Compostela (Espanha) conseguiu realizar a sequência genética do menino do Aconcágua. Graças a preservação natural e excepcional causado pela altitude e pelo frio, uma amostra retirada de parte de seu tecido pulmonar apresentou um resultado surpreendente! A múmia revelo pertencer a uma linhagem até então desconhecida e muito mais antiga, remontando a 14 mil anos, ou seja, proveniente da última Era Glacial. O genoma encontrado não existe mais, e o motivo se atribui ao contato com os europeus e a disseminação de doenças que dizimaram os povos americanos, como a difteria, varíola e sarampo.

Agora, em respeito aos povos originários, o Ministério de Cultura e Turismo de Mendoza (Argentina) pretende devolver à montanha o corpo mumificado do menino, com a construção de uma cripta e santuário-museu à 5.300 metros com as peças encontradas no local. O espaço será também usado para reflexão dos alpinistas que buscam alcançar o cume do Aconcágua. O projeto está previsto para acontecer em 2023.

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

LA LÁPIDA DE PAKAL REPOSA DE NUEVO SOBRE EL SARCÓFAGO

Las Piedras de Ica: cuando el hombre vivió entre los dinosaurios

Qhapac Ñan: el mayor camino peatonal de la historia universal, el cual unió a pueblos precolombinos de sudamérica.