Descoberta origem da madeira das “grandes casas” da cultura Pueblo
Por: ANA GERSCHENFELD
Num deserto praticamente sem árvores do Novo México (EUA) erguem-se as ruínas de gigantescas habitações da época pré-colombiana. De onde vieram as quantidades industriais de madeira que foram necessárias para as construir?
Foto: Foto tirada na década de 1930 da parede traseira da grande casa de Pueblo Bonito, a maior estrutura construída no Desfiladeiro de Chaco George Grant/Serviço dos Parques Nacionais dos EUA
As vigas, ombreiras de portas e janelas e ainda outros elementos de construção das chamadas “grandes casas” do Desfiladeiro de Chaco, no Sudoeste dos EUA – uma série de edifícios monumentais erguidos e habitados, entre os anos 850 e 1140 da nossa era, pelo povo Pueblo – provinham de árvores que cresciam nas montanhas a mais de 75 quilómetros de distância e que eram cortadas e transportadas até ao local. Esta é a conclusão de um estudo publicado na segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) por uma equipa da Universidade do Arizona (EUA).
Estima-se que cerca de 240.000 árvores tenham entrado na construção destas maciças estruturas, cujas ruínas ainda hoje se erguem, imponentes, no deserto do Novo México. A maior delas chama-se Pueblo Bonito e pensa-se que tinha cinco andares e mais de 500 salas, lê-se num comunicado da Universidade do Arizona. E lá viviam as famílias de elite – verdadeiros clãs – daquela cultura nativa da América do Norte.Entre meados do século XI e inícios do XII, o Desfiladeiro de Chaco foi o centro do poder da cultura Pueblo. E apesar das condições ambientais pouco amenas, milhares de pessoas viviam ali.
Só que a existência destas “grandes casas” de pedra apresentava até aqui uma “pequena” incongruência: como explicar a presença de tais quantidades de madeira, dada a ausência quase total de árvores naquela região de deserto de altitude que é o Desfiladeiro de Chaco? Uma análise extremamente precisa dos padrões dos anéis de crescimento das árvores parece vir agora pôr fim ao enigma.
“Esta incongruência tem desencadeado um constante debate acerca das origens das mais de 240.000 árvores utilizadas na construção” destas estruturas, que figuram entre as maiores da época pré-colombiana na América do Norte, escrevem Christopher Guiterman, Thomas Swetnam e Jeffrey Dean na PNAS.
“Um observador ocasional depara-se com centenas e centenas de vigas a saírem das paredes. Há madeira por tudo quanto é sítio nestas estruturas”, diz Guiterman, citado no comunicado. “São feitas de pedra e madeira.”
Os primeiros especialistas a terem escavado estas grandes casas, no início do século XX, foram o astrónomo norte-americano Andrew Douglass e o seu estudante Emil Laury, explica ainda o documento.
Podemos perguntar por que é que um astrónomo se interessaria pelo crescimento vegetal. Ora bem, foi justamente Douglass que descobriu que existia uma correlação entre os anéis de crescimento das árvores e o ciclo das manchas solares, inventando assim a “dendrocronologia”, uma técnica de datação da madeira baseada na análise dos padrões de crescimento desses anéis.
E de facto, Douglass e Laury começaram a recolher amostras de madeira das antigas estruturas da cultura Pueblo, bem como das árvores que cresciam nas montanhas envolventes, e conseguiram datar aquelas “grandes casas” do Sudoeste dos EUA: elas foram construídas por fases entre os séculos IX e XII.
Douglass especulou então que, na altura da construção das grandes casas, as árvores utilizadas cresciam no próprio local – e que fora esse abate maciço que causara a desflorestação da zona. Mas com base em estudos de paleoecologia realizados nos anos 1970 e 1980, sabe-se hoje, escrevem ainda os autores no seu artigo na PNAS, que a principal espécie utilizada na construção, o pinheiro Pinus ponderosa, não existia no local em quantidades suficientes. Por outro lado, os abetos de cuja madeira são feitas dezenas de milhares de vigas desapareceram da região do Desfiladeiro de Chaco há pelo menos 12.000 anos.
Seja como for, em 1937, Douglass fundou o Laboratório de Estudo dos Anéis das Árvores… na Universidade do Arizona. E foi a essa imponente colecção, devidamente etiquetada e conservada em inúmeras caixas de cartão nas caves do laboratório – e a que vieram entretanto juntar-se amostras de madeira recolhidas por legiões de arqueólogos, incluindo o co-autor do presente estudo Jeffrey Dean –, que os três cientistas foram agora buscar o material de que precisavam para resolver o enigma da madeira de construção. Segundo Guiterman, há lá mais de 6000 espécimes de madeira provenientes das grandes casas. “Fomos buscar ao arquivo coisas que ninguém olhava há 30 a 40 anos”, diz o cientista. “Foi muito cool abrir aquelas caixas.”
Fonte: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/descoberta-origem-da-madeira-das-grandes-casas-da-cultura-pueblo-1716736 (08/12/2015)
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