Três em cada quatro sítios arqueológicos da Bahia estão degradados
Sítios arqueológicos em Campo Formoso foram pichados (Foto: Cristiana Santana/LAP-Uneb)
Entre os mais de 1,3 mil sítios, há quem diga até que houve passagem dos incas por aqui
O carpinteiro Manoel Fernando da Silva, 38 anos, morou a vida inteira em Campo Formoso, no Centro-Norte do estado. Desde criança, sabia reconhecer o que era uma pintura rupestre – tão presente em cavernas e rochas da cidade. Campo Formoso é um dos municípios baianos que mais têm sítios arqueológicos – só cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), são 26.
O problema é que boa parte desses sítios está degradado. No povoado de Queixo Dantas, onde ele vive, basta andar cerca de um quilômetro para encontrar as pinturas. Só que muitas delas reúnem, hoje, pichações e riscos em tinta preta – todos feitos não pelos antepassados, mas por gente do presente mesmo.
"Tinha um pessoal da localidade que andava fazendo isso. Saía da comunidade, ia para os locais, ficava brincando. Essa juventude que queria inventar coisa, sem saber a gravidade que tinha (danificar os sítios arqueológicos”, explica.
Pinturas rupestres em Campo Formoso vinham sendo riscadas e pichadas(Foto: Cristiana Santana/LAP-Uneb)
Foi só há quatro anos, porém, que as coisas começaram a mudar, em Campo Formoso. Um grupo de pesquisadores do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia (LAP) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb – campus Senhor do Bonfim), liderados pela professora Cristiana Santana, começou a estudar os sítios, além de promover um trabalho de educação patrimonial no povoado.
Hoje, quem tenta pichar ou escrever nas pinturas rupestres leva uma repreensão dos outros moradores. No início do ano, ele e alguns vizinhos chegaram a cercar o local, para proteger o acesso às pinturas. “Hoje, eu tomei conhecimento e já ando com essa curiosidade com as coisas. O que eu vejo fico olhando e querendo entender. Se encontro algo, ando com cuidado e deixo no local para não prejudicar”.
Mesmo assim, atitudes como essa são raras. A Bahia tem, hoje, 1.350 sítios registrados no Iphan – o número real pode ser muito maior, segundo a professora Cristiana Santana, pós-doutora em Arqueologia e coordenadora do LAP.
“Tem mais de 200 sítios só que eu pesquisei e não foram cadastrados. Hoje em dia, o cadastro é bastante rápido, mas começamos em 2001 e antigamente não era assim. Não era exigido que se mandassem fichas de cadastro”, explica.
A Bahia é o nono estado com o maior número de sítios cadastrados – no Nordeste, só fica atrás do Piauí, que tem uma tradição nos estudos arqueológicos. Por aqui, o maior número de sítios foi encontrado na cidade de Jaguaripe, no Recôncavo – 129, de acordo com o Iphan, embora sejam materiais de cerâmica. Logo em seguida, vêm Gentio do Ouro (com 90, já referentes a sítios de pinturas rupestres), Central (com 54), Morro do Chapéu (com 52) e Jacobina (51), todas no Centro-Norte do estado.
Por aqui, tem tanta história que a própria história se cruza – há quem defenda que, em Morro do Chapéu, em uma vila chamada Ventura, há registro de que os incas estiveram na Bahia. Essa teoria é do espeleólogo Aloisio Cardoso, que identificou o registro em um painel de incisões em rocha (veja abaixo).
Desgaste
No entanto, de uma forma geral, o estado desses sítios é preocupante. A professora Cristiana estima que, entre as centenas pesquisadas pelo LAP, pelo menos 75% tenham sido afetados por algum tipo de desgaste. Usando os próprios critérios de classificação das fichas do Iphan, é possível dizer que 25% estão muito degradados, 25% estão bem conservados e 50% têm algum grau de desgaste.
É difícil encontrar algum que esteja 100% preservado – esses casos acontecem, normalmente, quando os sítios estão localizados longe de comunidades ou em locais de difícil acesso, a exemplo de alto de serras.
“Quanto mais próximo das comunidades, mais o grau de conservação vai piorando por causa da depredação humana. Mas existem sítios que, mesmo distantes, têm desgaste devido às condições atmosféricas, como a chuva, e o desmatamento”.
No caso do desmatamento, é comum encontrar pessoas que querem criar áreas de pasto e, para isso, tocam fogo em tudo. Sem a vegetação, alguns sítios perdem a proteção da incidência da luz solar e passam a tomar sol o tempo inteiro. Com dias quentes e noites frias – o que é comum no interior do estado – as rochas podem começar a descamar. Muitos sítios sofrem por ações de mineradoras.
Em Jacobina, há uma mineradora justamente no local onde existe um sítio arqueológico (Foto: Gilmar Silva/LAP-Uneb)
O espeleólogo Aloísio Cardoso, que trabalhou com cavernas por mais de 30 anos, já chegou a flagrar pessoas estendendo roupas para secar em rochas com desenhos por incisão. Foi na cidade de Ipupiara, no Centro-Sul da Bahia. Em 1998, escreveu o primeiro relatório sobre isso – na época, como servidor do extinto órgão estadual Centro de Recursos Ambientais (CRA).
No ano passado, voltou à cidade. “As pessoas usavam muita água sanitária e imaginei, na época, que o processo ia diluir aqueles desenhos. Foi o que aconteceu”, lamenta. Segundo ele, não existe preservação permanente nos sítios arqueológicos. “Na prática, ninguém está nem aí. Ninguém cuida desse patrimônio”, denuncia.
Pote de ouro
Boa parte do material coletado nos sítios arqueológicos do estado está no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Só lá, ficam mais de um milhão de peças – inclusive, as cerâmicas dos sítios de Jaguaripe.
De acordo com a arqueóloga do MAE, Tainã Moura, é comum que os pesquisadores encontrem sítios em estado de degradação pelo desconhecimento das pessoas. “No nosso caso, muitos sítios são descobertos quando alguém está abrindo espaço, tipo para arar o solo, e bate numa urna funerária. Muitas vezes, a gente (arqueólogos) nem fica sabendo”.
E quando alguém descobre um elemento histórico enterrado, as reações são as mais diversas possíveis – há até quem já tenha aberto um buraco por achar que vai encontrar um pote de ouro. Sem pote, sem ouro, sobra a perda de informações. O contexto daquele sítio, por vezes, é perdido. “Um sítio que poderia ser muito mais informativo acaba dando informações rasas, ilustrativas apenas”.
Quando os sítios são destruídos, o patrimônio cultural é destruído, como destaca a professora Cristiana Santana. “A gente tem um potencial não só científico e educacional como também turístico que poderia ser explorado para gerar recursos às comunidades próximas. Isso não está sendo utilizado e pior: está sendo destruído”, lamenta.
Em nota enviada ao CORREIO, o Iphan informou que tem fiscalizado os sítios em todo o Brasil.
Confira o posicionamento na íntegra
Casos de depredação ao patrimônio arqueológico podem ser amenizados mediante o desenvolvimento de atividades de educação patrimonial junto às comunidades locais, ou mesmo com pesquisas mais sistemáticas, voltadas à área da Arqueologia Pública, na tentativa de agregar a própria população como agentes de proteção desse bem.
O próprio Iphan tem dentre suas atribuições a realização de fiscalizações em sítios arqueológicos de todo o território nacional, todavia, devido ao grande contingente de sítios em relação ao atual corpo técnico, as fiscalizações não abrangem o objetivo ideal de proteção. Por esse motivo, se faz de suma importância a parceria com as esferas estaduais e municipais na proteção do patrimônio cultural arqueológico.
Ao atentarmos para o aspecto jurídico referente a arqueologia, constatamos que a preservação (aspecto ainda mais amplo que a conservação) dos sítios arqueológicos é um dever público compartilhado. Os bens arqueológicos imóveis (sítios) assim como os móveis (coleção) são protegidos pelas Lei 3924/1961, conforme artigo 1º: “Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público [...]”. Ainda conforme a Lei, no seu artigo 5º, qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos sítios será considerado crime contra o Patrimônio Nacional. Ao encontro dessa questão, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, institui que os sítios arqueológicos são Bens da União e complementa, no artigo 23, que é competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger os sítios arqueológicos. Dessa forma, constituem patrimônio cultural brasileiro os sítios arqueológicos (art. 216 da CF/88).
No entanto, se formos recorrer ao aspecto teórico, podemos dizer que a conservação dos sítios arqueológicos se faz importante devido ao fato destes fazerem parte de um patrimônio não renovável que possibilita o estudo e a interpretação de dados, contados ou não pela historiografia oficial, graças à existência dos vestígios arqueológicos. A conservação dos sítios arqueológicos possibilita o acesso de indivíduos do tempo presente e também do tempo futuro e deve sempre estar associada a ações de socialização, uma vez que se faz importante a apropriação desse patrimônio pelos seres humanos, para que ele faça sentido. É importante mencionar que a conservação desse patrimônio pode ser uma importante fonte de turismo, fazendo com que aumente a sua valorização e, consequentemente, a sua preservação. Logo, podemos dizer que a conservação dos sítios é importante e faz parte de um processo cíclico.
Painel em Morro do Chapéu indica registro dos incas na Bahia
Entre os sítios arqueológicos da Bahia, destaca-se o da vila de Ventura, no município de Morro do Chapéu, no Centro-Norte do estado. É lá que, segundo o espeleólogo Aloisio Cardoso, existem indícios de possível passagem dos incas pela Bahia. A civilização inca estabeleceu o maior império da América pré-colombiana em territórios que vão do atual Equador à atual Argentina.
Pintura mostra paleolhama, segundo espeleólogo (Foto: Aloisio Cardoso/Acervo pessoal)
No painel de Ventura, existe um desenho que mostra um carro sendo puxado por uma paleolhama – as lhamas pré-históricas, extintas há milhares de anos. “O animal que está puxando o carro por roda é uma paleolhama. Já existe um estudo de que os incas desviam os Andes até o litoral sul do Brasil. Entendo que, por essa mesma direção, haveria esse indício”.
Esse painel de Ventura é estudado por pesquisadores desde a década de 1980. “Essa é uma vila muito antiga. Em 1914, tinha 3,8 mil habitantes. Hoje, tem uns 10. Mas o registro da pintura rupestre lá é muito diversificado. Já devo ter ido lá umas 10 vezes e, a cada visita, a gente descobre uma pintura nova”.
Em 2005, em um artigo em que assina com uma pesquisadora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Cardoso discorre sobre registros fósseis encontrados na região – especificamente na Gruta dos Brejões. Entre os registros fósseis encontrados estavam justamente o de tíbia e de fíbula da Palaeolama major, nome científico da paleolhama.
Pelo menos 93 sítios na Bahia aguardam homologação
A Bahia tem pelo menos outros 93 sítios arqueológicos que aguardam homologação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de acordo com o órgão federal. Para que os sítios sejam homologados, é preciso existir a análise técnica dos dados constantes na ficha de cadastro – se as informações forem suficientes para o prosseguimento, a área responsável pelo registro aprova a solicitação.
A região do semiárido detém a maior parte dos sítios do estado. Para a professora Cristiana Santana, coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia (LAP) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb – campus Senhor do Bonfim), isso está intimamente ligado ao ecossistema. “São regiões com muita mata na época de chuva, abundância de caça mesmo na época de seca. E os povos pré-históricos viviam disso, além da coleta de frutos”. Além do semiárido, o litoral baiano também foi alvo de ocupações históricas.
Por isso mesmo, as ocupações no semiárido começaram primeiro – os registros indicam que elas existem desde 9.500 anos antes do presente. Segundo Cristiana, era uma ocupação de grupos de grupos caçadores-coletores em cavernas. Os primeiros registros foram na cidade de Caetité, que fica no Centro-Sul e tem 42 sítios já cadastrados.
“Esses pré-históricos viviam da caça de pequenos animais e da coleta de vegetais. Não sabiam praticar a agricultura e nem sabiam fabricar vasilhas de barro (cerâmicas arqueológicas). Os artefatos polidos, como machadinhas são raros nesses sítios mais antigos e só passam a ser mais comuns em sítios arqueológicos mais recentes”, diz ela.
Fonte: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/tres-em-cada-quatro-sitios-arqueologicos-da-bahia-estao-degradados/ (20/05/2018)
Entre os mais de 1,3 mil sítios, há quem diga até que houve passagem dos incas por aqui
O carpinteiro Manoel Fernando da Silva, 38 anos, morou a vida inteira em Campo Formoso, no Centro-Norte do estado. Desde criança, sabia reconhecer o que era uma pintura rupestre – tão presente em cavernas e rochas da cidade. Campo Formoso é um dos municípios baianos que mais têm sítios arqueológicos – só cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), são 26.
O problema é que boa parte desses sítios está degradado. No povoado de Queixo Dantas, onde ele vive, basta andar cerca de um quilômetro para encontrar as pinturas. Só que muitas delas reúnem, hoje, pichações e riscos em tinta preta – todos feitos não pelos antepassados, mas por gente do presente mesmo.
"Tinha um pessoal da localidade que andava fazendo isso. Saía da comunidade, ia para os locais, ficava brincando. Essa juventude que queria inventar coisa, sem saber a gravidade que tinha (danificar os sítios arqueológicos”, explica.
Pinturas rupestres em Campo Formoso vinham sendo riscadas e pichadas(Foto: Cristiana Santana/LAP-Uneb)
Foi só há quatro anos, porém, que as coisas começaram a mudar, em Campo Formoso. Um grupo de pesquisadores do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia (LAP) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb – campus Senhor do Bonfim), liderados pela professora Cristiana Santana, começou a estudar os sítios, além de promover um trabalho de educação patrimonial no povoado.
Hoje, quem tenta pichar ou escrever nas pinturas rupestres leva uma repreensão dos outros moradores. No início do ano, ele e alguns vizinhos chegaram a cercar o local, para proteger o acesso às pinturas. “Hoje, eu tomei conhecimento e já ando com essa curiosidade com as coisas. O que eu vejo fico olhando e querendo entender. Se encontro algo, ando com cuidado e deixo no local para não prejudicar”.
Mesmo assim, atitudes como essa são raras. A Bahia tem, hoje, 1.350 sítios registrados no Iphan – o número real pode ser muito maior, segundo a professora Cristiana Santana, pós-doutora em Arqueologia e coordenadora do LAP.
“Tem mais de 200 sítios só que eu pesquisei e não foram cadastrados. Hoje em dia, o cadastro é bastante rápido, mas começamos em 2001 e antigamente não era assim. Não era exigido que se mandassem fichas de cadastro”, explica.
A Bahia é o nono estado com o maior número de sítios cadastrados – no Nordeste, só fica atrás do Piauí, que tem uma tradição nos estudos arqueológicos. Por aqui, o maior número de sítios foi encontrado na cidade de Jaguaripe, no Recôncavo – 129, de acordo com o Iphan, embora sejam materiais de cerâmica. Logo em seguida, vêm Gentio do Ouro (com 90, já referentes a sítios de pinturas rupestres), Central (com 54), Morro do Chapéu (com 52) e Jacobina (51), todas no Centro-Norte do estado.
Por aqui, tem tanta história que a própria história se cruza – há quem defenda que, em Morro do Chapéu, em uma vila chamada Ventura, há registro de que os incas estiveram na Bahia. Essa teoria é do espeleólogo Aloisio Cardoso, que identificou o registro em um painel de incisões em rocha (veja abaixo).
Desgaste
No entanto, de uma forma geral, o estado desses sítios é preocupante. A professora Cristiana estima que, entre as centenas pesquisadas pelo LAP, pelo menos 75% tenham sido afetados por algum tipo de desgaste. Usando os próprios critérios de classificação das fichas do Iphan, é possível dizer que 25% estão muito degradados, 25% estão bem conservados e 50% têm algum grau de desgaste.
É difícil encontrar algum que esteja 100% preservado – esses casos acontecem, normalmente, quando os sítios estão localizados longe de comunidades ou em locais de difícil acesso, a exemplo de alto de serras.
“Quanto mais próximo das comunidades, mais o grau de conservação vai piorando por causa da depredação humana. Mas existem sítios que, mesmo distantes, têm desgaste devido às condições atmosféricas, como a chuva, e o desmatamento”.
No caso do desmatamento, é comum encontrar pessoas que querem criar áreas de pasto e, para isso, tocam fogo em tudo. Sem a vegetação, alguns sítios perdem a proteção da incidência da luz solar e passam a tomar sol o tempo inteiro. Com dias quentes e noites frias – o que é comum no interior do estado – as rochas podem começar a descamar. Muitos sítios sofrem por ações de mineradoras.
Em Jacobina, há uma mineradora justamente no local onde existe um sítio arqueológico (Foto: Gilmar Silva/LAP-Uneb)
O espeleólogo Aloísio Cardoso, que trabalhou com cavernas por mais de 30 anos, já chegou a flagrar pessoas estendendo roupas para secar em rochas com desenhos por incisão. Foi na cidade de Ipupiara, no Centro-Sul da Bahia. Em 1998, escreveu o primeiro relatório sobre isso – na época, como servidor do extinto órgão estadual Centro de Recursos Ambientais (CRA).
No ano passado, voltou à cidade. “As pessoas usavam muita água sanitária e imaginei, na época, que o processo ia diluir aqueles desenhos. Foi o que aconteceu”, lamenta. Segundo ele, não existe preservação permanente nos sítios arqueológicos. “Na prática, ninguém está nem aí. Ninguém cuida desse patrimônio”, denuncia.
Pote de ouro
Boa parte do material coletado nos sítios arqueológicos do estado está no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Só lá, ficam mais de um milhão de peças – inclusive, as cerâmicas dos sítios de Jaguaripe.
De acordo com a arqueóloga do MAE, Tainã Moura, é comum que os pesquisadores encontrem sítios em estado de degradação pelo desconhecimento das pessoas. “No nosso caso, muitos sítios são descobertos quando alguém está abrindo espaço, tipo para arar o solo, e bate numa urna funerária. Muitas vezes, a gente (arqueólogos) nem fica sabendo”.
E quando alguém descobre um elemento histórico enterrado, as reações são as mais diversas possíveis – há até quem já tenha aberto um buraco por achar que vai encontrar um pote de ouro. Sem pote, sem ouro, sobra a perda de informações. O contexto daquele sítio, por vezes, é perdido. “Um sítio que poderia ser muito mais informativo acaba dando informações rasas, ilustrativas apenas”.
Quando os sítios são destruídos, o patrimônio cultural é destruído, como destaca a professora Cristiana Santana. “A gente tem um potencial não só científico e educacional como também turístico que poderia ser explorado para gerar recursos às comunidades próximas. Isso não está sendo utilizado e pior: está sendo destruído”, lamenta.
Em nota enviada ao CORREIO, o Iphan informou que tem fiscalizado os sítios em todo o Brasil.
Confira o posicionamento na íntegra
Casos de depredação ao patrimônio arqueológico podem ser amenizados mediante o desenvolvimento de atividades de educação patrimonial junto às comunidades locais, ou mesmo com pesquisas mais sistemáticas, voltadas à área da Arqueologia Pública, na tentativa de agregar a própria população como agentes de proteção desse bem.
O próprio Iphan tem dentre suas atribuições a realização de fiscalizações em sítios arqueológicos de todo o território nacional, todavia, devido ao grande contingente de sítios em relação ao atual corpo técnico, as fiscalizações não abrangem o objetivo ideal de proteção. Por esse motivo, se faz de suma importância a parceria com as esferas estaduais e municipais na proteção do patrimônio cultural arqueológico.
Ao atentarmos para o aspecto jurídico referente a arqueologia, constatamos que a preservação (aspecto ainda mais amplo que a conservação) dos sítios arqueológicos é um dever público compartilhado. Os bens arqueológicos imóveis (sítios) assim como os móveis (coleção) são protegidos pelas Lei 3924/1961, conforme artigo 1º: “Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público [...]”. Ainda conforme a Lei, no seu artigo 5º, qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos sítios será considerado crime contra o Patrimônio Nacional. Ao encontro dessa questão, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, institui que os sítios arqueológicos são Bens da União e complementa, no artigo 23, que é competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger os sítios arqueológicos. Dessa forma, constituem patrimônio cultural brasileiro os sítios arqueológicos (art. 216 da CF/88).
No entanto, se formos recorrer ao aspecto teórico, podemos dizer que a conservação dos sítios arqueológicos se faz importante devido ao fato destes fazerem parte de um patrimônio não renovável que possibilita o estudo e a interpretação de dados, contados ou não pela historiografia oficial, graças à existência dos vestígios arqueológicos. A conservação dos sítios arqueológicos possibilita o acesso de indivíduos do tempo presente e também do tempo futuro e deve sempre estar associada a ações de socialização, uma vez que se faz importante a apropriação desse patrimônio pelos seres humanos, para que ele faça sentido. É importante mencionar que a conservação desse patrimônio pode ser uma importante fonte de turismo, fazendo com que aumente a sua valorização e, consequentemente, a sua preservação. Logo, podemos dizer que a conservação dos sítios é importante e faz parte de um processo cíclico.
Painel em Morro do Chapéu indica registro dos incas na Bahia
Entre os sítios arqueológicos da Bahia, destaca-se o da vila de Ventura, no município de Morro do Chapéu, no Centro-Norte do estado. É lá que, segundo o espeleólogo Aloisio Cardoso, existem indícios de possível passagem dos incas pela Bahia. A civilização inca estabeleceu o maior império da América pré-colombiana em territórios que vão do atual Equador à atual Argentina.
Pintura mostra paleolhama, segundo espeleólogo (Foto: Aloisio Cardoso/Acervo pessoal)
No painel de Ventura, existe um desenho que mostra um carro sendo puxado por uma paleolhama – as lhamas pré-históricas, extintas há milhares de anos. “O animal que está puxando o carro por roda é uma paleolhama. Já existe um estudo de que os incas desviam os Andes até o litoral sul do Brasil. Entendo que, por essa mesma direção, haveria esse indício”.
Esse painel de Ventura é estudado por pesquisadores desde a década de 1980. “Essa é uma vila muito antiga. Em 1914, tinha 3,8 mil habitantes. Hoje, tem uns 10. Mas o registro da pintura rupestre lá é muito diversificado. Já devo ter ido lá umas 10 vezes e, a cada visita, a gente descobre uma pintura nova”.
Em 2005, em um artigo em que assina com uma pesquisadora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Cardoso discorre sobre registros fósseis encontrados na região – especificamente na Gruta dos Brejões. Entre os registros fósseis encontrados estavam justamente o de tíbia e de fíbula da Palaeolama major, nome científico da paleolhama.
Pelo menos 93 sítios na Bahia aguardam homologação
A Bahia tem pelo menos outros 93 sítios arqueológicos que aguardam homologação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de acordo com o órgão federal. Para que os sítios sejam homologados, é preciso existir a análise técnica dos dados constantes na ficha de cadastro – se as informações forem suficientes para o prosseguimento, a área responsável pelo registro aprova a solicitação.
A região do semiárido detém a maior parte dos sítios do estado. Para a professora Cristiana Santana, coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia (LAP) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb – campus Senhor do Bonfim), isso está intimamente ligado ao ecossistema. “São regiões com muita mata na época de chuva, abundância de caça mesmo na época de seca. E os povos pré-históricos viviam disso, além da coleta de frutos”. Além do semiárido, o litoral baiano também foi alvo de ocupações históricas.
Por isso mesmo, as ocupações no semiárido começaram primeiro – os registros indicam que elas existem desde 9.500 anos antes do presente. Segundo Cristiana, era uma ocupação de grupos de grupos caçadores-coletores em cavernas. Os primeiros registros foram na cidade de Caetité, que fica no Centro-Sul e tem 42 sítios já cadastrados.
“Esses pré-históricos viviam da caça de pequenos animais e da coleta de vegetais. Não sabiam praticar a agricultura e nem sabiam fabricar vasilhas de barro (cerâmicas arqueológicas). Os artefatos polidos, como machadinhas são raros nesses sítios mais antigos e só passam a ser mais comuns em sítios arqueológicos mais recentes”, diz ela.
Fonte: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/tres-em-cada-quatro-sitios-arqueologicos-da-bahia-estao-degradados/ (20/05/2018)
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