CALAKMUL –­ O REINO DA SERPENTE

                                                                         Foto: INAH

Por: Dalton D. Maziero - 01.12.2023

Muitas das antigas ruínas da civilização Maia receberam nomes modernos que não são aqueles pelo qual eram conhecidas. Este é o caso da antiga e poderosa Ox Te’ Tuun (Lugar das Três Pedras), identificada também como O Reino da Serpente, chamada hoje Calakmul. O termo “Calakmul” significa “Cidade das Duas Pirâmides Adjacentes”. O antigo reino cobria uma área periférica de 70 km² e abrigava uma população de mais de 50 mil habitantes fixos.

Descoberta em 1931 pelo biólogo Cyrus L. Lundell e estudada por Sylvanus G. Morley em 1932, Calakmul prosperou no passado por muitos anos no que hoje é conhecido como Período Clássico da Mesoamérica (250-900 d.C.), até tornar-se uma “superpotência” capaz de rivalizar contra Tikal, que também desfrutava da mesma magnitude que Calakmul. As antigas cidades maias costumavam utilizar glifos ou selos que as identificassem. No caso de Calakmul, esse símbolo era o de uma serpente. Parte de sua riqueza provinha do fato de estar situada em uma região pantanosa, com água em abundância; e também por dominar uma das maiores fontes de rocha sílex conhecidas, com as quais produziam ferramentas de alta qualidade.

Arquitetonicamente, a cidade urbanizada de Calakmul é uma das maiores (20 km²) da antiga Mesoamérica. São mais de 7 mil estruturas identificadas entre pirâmides, praças, canais e reservatórios d’água, palácios, túmulos, pátios, estelas (cerca de 117) residências, campos de bola e caminhos elevados (Sacbeob) que ligavam a cidade a outras suas aliadas ou não. Essas “estradas” podiam ter apenas algumas centenas de metros a mais de 30 km de extensão. Calakmul possui também algumas das pirâmides mais altas das Américas, como as chamadas Estruturas 1 e 2 que ultrapassam os 50 metros de altura.

É interessante notar que muitos dos governantes de Calakmul conseguiram sobreviver graças ao registro de seus nomes em estelas e pedras da região. Entre 500 e 910 d.C., podemos mencionar Yax Yopaat (Primeiro Lançador de Machado), Yuknoom Yich’aak K’ahk’ (Pata de Jaguar) e Rei Z (Grande Serpente). Mas o poder de Calakmul não surgiu sozinho. Evidências arqueológicas e registros mostram que a cidade era ligada por caminhos elevados a três outros aliados – El Tintal, Nakbe e El Mirador – que, juntos, formavam uma aliança político-guerreira.

Não se sabe ao certo a origem e os motivos que levaram Tikal e Calakmul a entrarem em uma guerra de tantos anos. Alguns pesquisadores apontam a luta por recursos naturais, enquanto outros apontam para uma diferença ideológica: enquanto Tikal elevava a linhagem masculina proveniente da distante Teotihuacán, Calakmul parece ter dado maior valor a linhagem feminina – ou a um casal real – proveniente de quando El Mirador dominava a região. Seja qual for o motivo, Calakmul tentou minar o gigantesco poder de Tikal cercando-a de seus aliados. Durante os séculos VI e VII, Calakmul conseguiu se impor, mas ao final do século VII uma batalha decisiva deu vantagem a Tikal.

Mas Tikal, apesar de ser o pior, não foi o único adversário de Calakmul. Grifos desenterrados por arqueólogos indicam que sob o reinado de Uneh Chan (579-611 d.C.) ocorreram dois importantes confrontos entre Calakmul e Palenque, com esta última cidade derrotada e obrigada a pagar tributos periódicos. Também a guerra se estendeu a Dos Pilas, cidade fundada pelos governantes de Tikal para servir como ponto estratégico de controle comercial. Nela, foi colocado um rei ainda jovem, pertencente a elite de Tikal. Mas em determinado momento, sob influência militar de Calakmul, esse rei parece ter trocado de lado. A luta pelo controle de Dos Pilas foi descrita em um hieroglifo desenterrado como repleta de “poças de sangue e pilhas de cabeça”. Além desses confrontos, os reis de Calakmul também atuaram contra El Naranjo para conter uma rebelião que tentava desvincular esta daquela.

As manipulações políticas e burocráticas na Mesoamérica são surpreendentes. A cada novo governantes eleito ou deposto, as peças do tabuleiro se mexiam causando novas aliança, incursões militares de punição, guerras, traições, mortes, assassinatos e saques. De modo geral, todo esse esforço humano em derrotar ou subjugar seus vizinhos teve como motivação o controle de rotas comerciais, regiões possuidoras de bens naturais (como jade, conchas, sílex e água) ou consolidação de poder político. E o resultado dessas maquinações políticas foram rios de sangue, sacrifícios humanos e milhares de cabeças decepadas!

Finalmente, Calakmul iniciou um longo e contínuo declínio político por volta de 750 d.C., perdendo aos poucos as cidades aliadas e sofrendo uma derrocada no registro hieroglífico, nas artes e arquitetura local. Por volta do ano 900 d.C., ela tornou-se uma pálida referência de seus dias de glória. Assim como outras cidades Mesoamericanas, pereceu no período chamado “Colapso Maia”, quando então, por motivos ainda não totalmente compreendidos, levou ao abandono gradual das cidades que caíram em ruinas, desaparecendo por séculos entre a floresta. Em 2014, Calakmul foi declarado Patrimônio Misto da Humanidade pela UNESCO.

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)

Fonte: Arquivos América Misteriosa (pagina3.com.br)

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