O Mistério dos Geoglifos Gaúchos
"Mangueiras de torrões" ou "geoglifos gaúchos" entre Pelotas e Capão do Leão/RS (Bruno Farias)
As “mangueiras de torrões” gaúchas, velhas conhecidas dos moradores do campo, surpreendem cientistas e recebem a visita de Alceu Ranzi dos geoglifos do Acre.
O pesquisador veio a Pelotas e Capão do Leão/RS em abril especialmente para ver de perto estas construções, apelidadas de “geoglifos gaúchos”. Mas apesar de muitos moradores contarem que os gigantescos anéis seriam antigas cercas feitas de terra pelos escravos antes de existirem os arames de metal, não está descartada a possibilidade delas terem sido construídas originalmente na pré-história
Por: Bruno Farias
Uma vasta pesquisa baseada em mapas e documentos antigos, livros, revistas, sites, imagens de satélite e fotos digitais de alta definição, mais de 60 entrevistas e muitas idas ao campo. O resultado está sendo publicado aos poucos, um capítulo por mês, no website “Memórias Leonenses: personagens, lugares históricos e lendas de Capão do Leão/RS”. Feito a partir de um trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, o conteúdo está disponível no endereço http://www.memoriasleonenses.xpg.com.br/. O levantamento localizou e estudou diversos lugares históricos do município: o túmulo de um enforcado milagreiro reverenciado há pelo menos 100 anos por fiéis que vinham até de outras cidades para fazer promessas; construções e monumentos antigos dos séculos XVIII, XIX e XX ; uma cerca de pedra de 1 km feita no tempo dos escravos; uma ferrovia centenária usada no transporte do granito das pedreiras leonenses até os molhes da barra, em Rio Grande; e as cavernas da Serra do Pavão usadas como esconderijo por abigeatários na década de 1950 que hoje são habitat de jaguatiricas. Estes são alguns dos lugares mostrados no site que, futuramente, poderão se tornar pontos turísticos de Capão do Leão.
El corral - Juan Leon Paulliere (1862)
A expansão da atividade econômica na região já está começando a crescer com a expectativa da construção de um oceanário e com a vinda ao Rio Grande do Sul, em 2014, de milhares de turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo. E a estrutura para receber visitantes já está sendo viabilizada pelos órgãos municipais leonenses: a futura reativação do trem de passageiros é um projeto que a cada dia parece estar mais próximo de virar realidade. Segundo o vice-prefeito Cláudio Vitória, a cidade já tem uma locomotiva, e três vagões serão cedidos à prefeitura, vindos de Santa Maria/RS. Além de Capão do Leão já contar com um hotel fazenda, com festividades realizadas anualmente e com lugares de grande importância histórica, a maioria em ótimo estado de conservação. Dois deles são lugares absolutamente únicos: as casas onde viveram o patrono da imprensa brasileira, Hipólito José da Costa, e a viúva de Rafael Pinto Bandeira. Ou seja, a localidade é um prato cheio para a exploração do turismo Está para ser criada a lei municipal de patrimônio, garantia da manutenção destes lugares históricos que poderão, no futuro, atrair turistas. Uma destas atrações inclusive já recebeu a visita de dois pesquisadores internacionalmente conhecidos: o pesquisador dos geoglifos do Acre, Dr. Alceu Ranzi, e o arqueólogo Fábio Vergara Cerqueira, que recuperou em Capão do Leão o maior zoólito (estátua pré-histórica com formato de animal feita em pedra) do Brasil, em formato de tubarão, datado em entre 4 e 6 mil anos de idade. Guiados por este repórter, eles foram as duas primeiras pessoas a visitarem o município especialmente para conhecer os “geoglifos gaúchos” após a sua redescoberta. As estruturas anelares de terra, já conhecidas há tantos anos pelos moradores, ficaram famosas nacionalmente em uma reportagem no site da Revista de História da Biblioteca Nacional em fevereiro de 2010. Elas chegam a ter até 120 metros de diâmetro e muitos moradores locais são categóricos ao afirmarem que são “antigas mangueiras de terra do início da colonização do Rio Grande do Sul”. Apesar de tantas pessoas já conhecerem os antigos currais, construídos antes da chegada dos arames de metal ao estado na década de 1870, eles estão causando polêmica. A ciência ainda não tinha conhecimento das encerras de gado desta época sendo feitas de terra. Até agora poucas mangueiras de pedra gaúchas foram realmente pesquisadas a fundo, e também é recente a documentação referente aos currais de palmas existentes em Santa Vitória do Palmar/RS. Segundo o historiador André Oliveira, que estudou as cercas feitas com mudas de palmeiras naquele município, a versão contada pelos moradores a respeito das “mangueiras de torrões” pode ser mesmo verdadeira: “Realmente devem ser currais. No caso de serem de terra deve-se analisar melhor as elevações, provavelmente realizadas por escravos”. O historiador leonense Joaquim Dias concorda, e estima-se que essas construções tenham aproximadamente 200 anos.
Curral de palmas próximo ao Forte Santa Tereza, no Camino del Índio - Rocha - Uruguai (Foto de Amqvvv - Panoramio)
Encerras deste tipo existem por todo a Zona Sul, no Uruguai e na Argentina, sendo que lá a maioria deles foi feita de pedras ou de plantas. Até agora já foram localizados mais de 1000, a grande maioria circulares, e eles podem ser vistos a partir de imagens de satélite no site Google Mapas – o que lhes rendeu o apelido de “geoglifos gaúchos”. Antes dos alambrados as cercas e divisas das propriedades rurais eram feitas com muros de pedra, elemento comum na cultura gaúcha. Ou, em locais onde o minério era escasso, com outros materiais como valas cavadas no chão; madeira de diversos tipos e até de vegetais vivos. E as trilhas e estradas onde estão as “mangueiras de torrões” se conectam com as que têm também currais de pedra e de plantas.
Porém a falta de informações detalhadas sobre os currais usados pelos primeiros europeus a chegarem na região mantém a viva a dúvida quanto à verdadeira idade dos geoglifos gaúchos, e há quem não descarte a possibilidade deles serem pré-históricos, talvez tendo sido reaproveitados por tropeiros e estancieiros nos primórdios da história gaúcha. Isso ocorre devido à aparência destes enormes círculos de terra, muito semelhantes às estruturas anelares de terra da cultura Taquara existentes no norte/noroeste do Rio Grande do Sul, e com os geoglifos do Acre, datados em 2000 anos. De acordo com o Dr. Ranzi, em sua visita a algumas destas estruturas entre Pelotas e Capão do Leão, é impressionante a semelhança delas com os círculos acreanos. E o Dr. Cerqueira não descarta a possibilidade de eles serem anteriores à chegada dos hispânicos.
Corral de piedra en la estancia El Mirador - Durazno - Uruguai (Anibal Barrios Pintos)
Em outros lugares do país e do continente passaram-se décadas até que as estruturas de terra pré-históricas de terra fossem conhecidas pela ciência e, mesmo assim, ainda se sabe muito pouco sobre elas. Da mesma forma que o uso das imagens de satélite na identificação e pesquisa destas obras de engenharia é muito recente. Mas apesar dos geoglifos gaúchos também serem novidade nos meios científicos, os moradores do campo já diziam que eles seriam antigos currais. Porém ainda será necessária muita pesquisa para que se possa saber a época na qual os “geoglifos gaúchos” foram erguidos. Até lá este conhecimento popular continuará esperando por uma comprovação.
Fontes: artigo publicado originalmente em 09/05/2010 no jornal Diário da Manhã (Pelotas/RS); in www.historiaxatualidade.blogspot.com
Para saber mais:
www.imagenshistoricas.blogspot.com
www.memoriasleonenses.xpg.com.br
www.geoglifosdosul.xpg.com.br
As “mangueiras de torrões” gaúchas, velhas conhecidas dos moradores do campo, surpreendem cientistas e recebem a visita de Alceu Ranzi dos geoglifos do Acre.
O pesquisador veio a Pelotas e Capão do Leão/RS em abril especialmente para ver de perto estas construções, apelidadas de “geoglifos gaúchos”. Mas apesar de muitos moradores contarem que os gigantescos anéis seriam antigas cercas feitas de terra pelos escravos antes de existirem os arames de metal, não está descartada a possibilidade delas terem sido construídas originalmente na pré-história
Por: Bruno Farias
Uma vasta pesquisa baseada em mapas e documentos antigos, livros, revistas, sites, imagens de satélite e fotos digitais de alta definição, mais de 60 entrevistas e muitas idas ao campo. O resultado está sendo publicado aos poucos, um capítulo por mês, no website “Memórias Leonenses: personagens, lugares históricos e lendas de Capão do Leão/RS”. Feito a partir de um trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, o conteúdo está disponível no endereço http://www.memoriasleonenses.xpg.com.br/. O levantamento localizou e estudou diversos lugares históricos do município: o túmulo de um enforcado milagreiro reverenciado há pelo menos 100 anos por fiéis que vinham até de outras cidades para fazer promessas; construções e monumentos antigos dos séculos XVIII, XIX e XX ; uma cerca de pedra de 1 km feita no tempo dos escravos; uma ferrovia centenária usada no transporte do granito das pedreiras leonenses até os molhes da barra, em Rio Grande; e as cavernas da Serra do Pavão usadas como esconderijo por abigeatários na década de 1950 que hoje são habitat de jaguatiricas. Estes são alguns dos lugares mostrados no site que, futuramente, poderão se tornar pontos turísticos de Capão do Leão.
El corral - Juan Leon Paulliere (1862)
A expansão da atividade econômica na região já está começando a crescer com a expectativa da construção de um oceanário e com a vinda ao Rio Grande do Sul, em 2014, de milhares de turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo. E a estrutura para receber visitantes já está sendo viabilizada pelos órgãos municipais leonenses: a futura reativação do trem de passageiros é um projeto que a cada dia parece estar mais próximo de virar realidade. Segundo o vice-prefeito Cláudio Vitória, a cidade já tem uma locomotiva, e três vagões serão cedidos à prefeitura, vindos de Santa Maria/RS. Além de Capão do Leão já contar com um hotel fazenda, com festividades realizadas anualmente e com lugares de grande importância histórica, a maioria em ótimo estado de conservação. Dois deles são lugares absolutamente únicos: as casas onde viveram o patrono da imprensa brasileira, Hipólito José da Costa, e a viúva de Rafael Pinto Bandeira. Ou seja, a localidade é um prato cheio para a exploração do turismo Está para ser criada a lei municipal de patrimônio, garantia da manutenção destes lugares históricos que poderão, no futuro, atrair turistas. Uma destas atrações inclusive já recebeu a visita de dois pesquisadores internacionalmente conhecidos: o pesquisador dos geoglifos do Acre, Dr. Alceu Ranzi, e o arqueólogo Fábio Vergara Cerqueira, que recuperou em Capão do Leão o maior zoólito (estátua pré-histórica com formato de animal feita em pedra) do Brasil, em formato de tubarão, datado em entre 4 e 6 mil anos de idade. Guiados por este repórter, eles foram as duas primeiras pessoas a visitarem o município especialmente para conhecer os “geoglifos gaúchos” após a sua redescoberta. As estruturas anelares de terra, já conhecidas há tantos anos pelos moradores, ficaram famosas nacionalmente em uma reportagem no site da Revista de História da Biblioteca Nacional em fevereiro de 2010. Elas chegam a ter até 120 metros de diâmetro e muitos moradores locais são categóricos ao afirmarem que são “antigas mangueiras de terra do início da colonização do Rio Grande do Sul”. Apesar de tantas pessoas já conhecerem os antigos currais, construídos antes da chegada dos arames de metal ao estado na década de 1870, eles estão causando polêmica. A ciência ainda não tinha conhecimento das encerras de gado desta época sendo feitas de terra. Até agora poucas mangueiras de pedra gaúchas foram realmente pesquisadas a fundo, e também é recente a documentação referente aos currais de palmas existentes em Santa Vitória do Palmar/RS. Segundo o historiador André Oliveira, que estudou as cercas feitas com mudas de palmeiras naquele município, a versão contada pelos moradores a respeito das “mangueiras de torrões” pode ser mesmo verdadeira: “Realmente devem ser currais. No caso de serem de terra deve-se analisar melhor as elevações, provavelmente realizadas por escravos”. O historiador leonense Joaquim Dias concorda, e estima-se que essas construções tenham aproximadamente 200 anos.
Curral de palmas próximo ao Forte Santa Tereza, no Camino del Índio - Rocha - Uruguai (Foto de Amqvvv - Panoramio)
Encerras deste tipo existem por todo a Zona Sul, no Uruguai e na Argentina, sendo que lá a maioria deles foi feita de pedras ou de plantas. Até agora já foram localizados mais de 1000, a grande maioria circulares, e eles podem ser vistos a partir de imagens de satélite no site Google Mapas – o que lhes rendeu o apelido de “geoglifos gaúchos”. Antes dos alambrados as cercas e divisas das propriedades rurais eram feitas com muros de pedra, elemento comum na cultura gaúcha. Ou, em locais onde o minério era escasso, com outros materiais como valas cavadas no chão; madeira de diversos tipos e até de vegetais vivos. E as trilhas e estradas onde estão as “mangueiras de torrões” se conectam com as que têm também currais de pedra e de plantas.
Porém a falta de informações detalhadas sobre os currais usados pelos primeiros europeus a chegarem na região mantém a viva a dúvida quanto à verdadeira idade dos geoglifos gaúchos, e há quem não descarte a possibilidade deles serem pré-históricos, talvez tendo sido reaproveitados por tropeiros e estancieiros nos primórdios da história gaúcha. Isso ocorre devido à aparência destes enormes círculos de terra, muito semelhantes às estruturas anelares de terra da cultura Taquara existentes no norte/noroeste do Rio Grande do Sul, e com os geoglifos do Acre, datados em 2000 anos. De acordo com o Dr. Ranzi, em sua visita a algumas destas estruturas entre Pelotas e Capão do Leão, é impressionante a semelhança delas com os círculos acreanos. E o Dr. Cerqueira não descarta a possibilidade de eles serem anteriores à chegada dos hispânicos.
Corral de piedra en la estancia El Mirador - Durazno - Uruguai (Anibal Barrios Pintos)
Em outros lugares do país e do continente passaram-se décadas até que as estruturas de terra pré-históricas de terra fossem conhecidas pela ciência e, mesmo assim, ainda se sabe muito pouco sobre elas. Da mesma forma que o uso das imagens de satélite na identificação e pesquisa destas obras de engenharia é muito recente. Mas apesar dos geoglifos gaúchos também serem novidade nos meios científicos, os moradores do campo já diziam que eles seriam antigos currais. Porém ainda será necessária muita pesquisa para que se possa saber a época na qual os “geoglifos gaúchos” foram erguidos. Até lá este conhecimento popular continuará esperando por uma comprovação.
Fontes: artigo publicado originalmente em 09/05/2010 no jornal Diário da Manhã (Pelotas/RS); in www.historiaxatualidade.blogspot.com
Para saber mais:
www.imagenshistoricas.blogspot.com
www.memoriasleonenses.xpg.com.br
www.geoglifosdosul.xpg.com.br
Matéria maravilhosa. Parabéns.
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