Copacabana
Texto de Dalton Delfini Maziero
(Diário da Expedição Titicaca, 1997)
A pequena Copacabana é uma cidade muito simpática e acolhedora. Vive totalmente em função de seu Santuário, dedicado a Virgem da Candelaria (Virgem de Copacabana, segundo alguns). A catedral começou a ser construída em 1605. Nela, podemos visitar o Camarim da Virgem, onde a estátua original, feita em madeira, fica guardada. Existe uma superstição regional. Dizem que grandes catástrofes se abaterão sobre a cidade, caso ela seja removida de seu camarim. Muito tempo antes dos europeus chegarem, o local já era um ponto religioso. Os espanhóis em nenhum momento tentaram mudar essa força espiritual previamente instalada. Ao contrário, aproveitaram e fizeram da península, o maior santuário de sua fé.
A peregrinação jamais foi interrompida, mesmo com a conquista espanhola. Ela apenas mudou seu caráter. Todos os finais de semana chegam inumeráveis caravanas. São famílias, ônibus escolares e viajantes de vários países. Impossível não ficar impressionado com a força do lugar, mesmo sendo um descrente total. Certamente você refletirá a respeito da fé, que move pessoas, montanhas...e atualmente também um enorme comércio de lembrancinhas, velas, crucifixos e flores. Caminhando pelas ruas, tem-se a impressão que 1/3 dos edifícios são alojamentos, que se esgotam rapidamente na manhã do sábado, tamanho é o fluxo de visitantes.
Domingo é um dia especial. Nele, os padres rezam missa e abençoam os automóveis, que são levados em busca de proteção para as estradas. Pétalas de flores e água benta são esparamadas sobre eles. É uma festa bonita e animada. Filas enormes de carros e caminhões. Todos enfeitados com serpentina! Neste dia, a praça é tomada por vendedores e artesãos, que fazem da cidade uma grande feira ao ar livre. Copacabana vive para estes finais de semana, e principalmente para o dia de sua padroeira, comemorado entre 2 e 5 de fevereiro. Na festa em sua homenagem, os alojamentos devem ser reservados com muitas semanas de antecedência.
O padre Ramos Gavilán é o cronista mais procurado atualmente para quem pretende conhecer um pouco da antiga história de Copacabana e da Ilha do Sol. Repudiava as crenças indígenas, descrevendo com horror e indignação, suas festas e
ídolos pagãos. A exemplo de outros cronistas, Gavilán apenas tentava justificar sua própria presença no local, seus atos e a importância da instituição que defendia, a Igreja. Sua crônica, História de Nuestra Señora de Copacabana, escrita em 1621, não é de fácil leitura - como a grande maioria dos escritos da época - mas podemos destacar algumas partes significativas para a história desta peregrinação. Em determinado trecho, Gavilán relata uma importante festas indígenas: "quando em Copacabana se celebrava o Capac Raime e o Inti Raime, os da parcialidade dos incas punham todos os ídolos em suas rampas que adornavam com muitas flores e plumarias, pranchas de ouro e de prata... e iam todos a ilha (do Sol )... e as punham em um templo grande com cinco portas, e durante a dita cerimônia não permitiam o ingresso aos Collas. Os fiéis ficavam descalços e sem mantas prostrando-se diante dos ídolos para adorá-los, começando tal adoração pelo personagem mais importante..." Estátuas de ouro e tesouros perdidos não deixam de escapar aos olhos dos religiosos, que os descreveram com visível entusiasmo. O padre relata em pormenores a peregrinação e os ídolos adorados pelos incas no século da conquista. O personagem principal foi o Sol, representado pela estátua de um inca feito em ouro e coberto das mais finas plumarias. Um segundo tomava a forma da Lua. Era a imagem de uma rainha moldada em prata. Em terceiro, vinha o Raio - em prata também - representado por um índio trajando finas roupas e importantes insígnias.
E o termo Copacabana, de onde terá vindo? Contrariando a vontade de muitos que querem ver aí uma relação com a famosa praia carioca, existem relatos que explicam a origem deste nome. É o padre Calancha que nos dá maiores e melhores informações a este respeito. Ele relata: "outro ídolo famoso foi o de Copacabana (Kupi Kawiña, na língua aymara) , que deu nome ao povoado, que era uma pedra azul vistosa, colocada em seu templo que estava para o lado de quem vai ao estreito de Tiquina... rosto feio e corpo como peixe, a este adorava por deus de sua lagoa e por criador de seus peixes..." Os primeiros cristãos, tomaram imediatamente uma medida contra essas crenças e imagens consideradas pagãs. Baseados no evangelho, na palavra de Deus, e na força das armas, arrebentaram os ídolos em nome da verdadeira religião, jogando seus pedaços nas águas do Titicaca. Muitos nativos, inconformados, abandonaram o lugar, enquanto outros se rebelaram, sendo mortos. Mas a maioria, com o tempo, foi obrigada a sujeitar-se, tamanha era à força dos invasores. Aos índios, nada mais restou do que exercerem uma resistência silenciosa, adorando seus deuses e cultivando suas crenças às escondidas. Com o passar do tempo, os religiosos acabaram liberando certas práticas que concordaram, seria impossíveis de serem reprimidas. É o caso da adivinhação com folha de coca e cultos pedindo chuvas e boas colheitas. Mas nada de estátuas pagãs! Nada de sacrifícios e mortes!
Mas a cidade não atrai as pessoas somente pela sua força religiosa. Quase todos que a visitam, ficam maravilhados com a beleza natural e patrimônio arqueológico da região. Monumentos espalham-se por todos os lados. Tudo obra dos incas, correto? Certamente que não!!! Se o império incaico fez da Ilha do Sol e de Copacabana seu principal ponto religioso, foi porque outros anteriormente já veneravam o local. Na verdade, a cultura inca tinha uma estranha obsessão por esta península. O seu interesse por ela está pouco estudado. Parece haver uma íntima ligação com sua verdadeira origem enquanto etnia. Talvez a Ilha do Sol não representasse somente o ponto de sua origem mitológica.
Pouca gente sabe, mas para defender este importante e mágico ponto geográfico, eles construíram um gigantesco muro, isolando toda a península! Ao que parece, não chegou a ser finalizado, sendo interrompido com a chegada dos espanhóis. Localizava-se na altura da atual cidade de Yunguyo, onde existe até hoje um estreito de terra que tornaria a tarefa mais acessível. O muro ligaria o lago Titicaca à Wiñaymarca, em sua parte mais estreita. O outro lado da península tinha a proteção natural do estreito de Tiquina. Os incas, de língua quêchua, estavam assim, construindo uma "ilha étnica" terrestre, em pleno território aymara.
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