Demora no tombamento ameaça geoglifos da Amazônia

SINAIS
Círculos e quadrados podem ser evidências de centros cerimoniais ou aldeias fortificada, datadas de séculos antes do descobrimento.


Enquanto pesquisadores se esforçam para desvendar as misteriosas figuras geométricas encontradas na região Norte, o MPF cobra a proteção das estruturas.

Por BRUNO CALIXTO

Estrada cruza geoglifo no Acre. Tombamento é primeiro passo para que possam ser considerados patrimônio da humanidade pela Unesco

No Norte do Brasil, na região em que a floresta amazônica está dando lugar ao pasto, algumas estranhas figuras geométricas podem ser vistas do alto. Círculos e quadrados de centenas de metros cravados no solo se espalham nos Estados do Acre, Rondônia e Amazonas. Não são construções modernas, muito menos sinais de seres de outros planetas, mas evidências de que sociedades complexas viveram na Amazônia muito antes da chegada dos portugueses à região.

As formas são chamadas de geoglifos, que significa, literalmente, "marcas na terra". São desenhos feitos no chão, em morros ou terras planas. Na Amazônia, são principalmente formas geométricas. Muitas estavam "escondidas" pela cobertura florestal da Amazônia. A derrubada das árvores para a plantação de pastagens para gado começou a revelar essas estruturas há três décadas e, com sobrevoos e o uso de imagens de satélites como o Google Earth, são encontradas cada vez mais.

Depois de resistirem por mais de cinco séculos, os geoglifos agora podem ser destruídos antes de serem explicados. Além das dificuldades comuns para estudar vestígios tão antigos, os pesquisadores também têm que enfrentar outro problema: as estruturas estão ameaçadas por obras e proprietários desavisados. Alguns geoglifos, por exemplo, são cortados por estradas. Muitos estão em propriedades privadas, como fazendas de gado, e correm o risco de serem danificados por quem desconhece a existência de um sítio arqueológico em suas terras. Em um caso recente, a construção de linhas de transmissão quase destruiu um desses sítios. Em outro, um proprietário passou por cima de um geoglifo com tratores, danificando-o.

Para evitar que esse patrimônio seja destruído, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou, em 2007, o tombamento dessas áreas, mas até o momento nenhuma medida concreta foi tomada. Segundo o procurador da República no Acre, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, as autoridades têm o dever de assumir a responsabilidade de proteger esse patrimônio. "Com o tombamento, o proprietário vai saber que tipo de medida concreta ele precisa tomar para preservação", diz.

O Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão que promove o tombamento, acatou a recomendação do MPF em 2008, mas até o momento o procedimento não andou. O motivo dado pelo órgão são obstáculos burocráticos e a necessidade de mais estudos. O procurador diz que são alegações genéricas e que, enquanto as autoridades não tomam providências concretas, os geoglifos ficam desprotegidos.

A intenção do procurador é que os geoglifos possam ser considerados patrimônio da humanidade pela Unesco. O tombamento é o primeiro passo para isso. Com as estruturas preservadas, será possível, no futuro, estimular o turismo histórico e ecológico na região, além de criar as condições necessárias para que os pesquisadores enfim descubram a origem desses misteriosos círculos e quadrados pré-históricos.
PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE

O paleontólogo Alceu Ranzi, da Universidade Federal do Acre, viu as figuras pela primeira primeira vez há mais de três décadas, ao sobrevoar a área. "Vistos da janela de um avião, as imagens me remeteram para Nazca, no Peru. Lá do alto me ocorreu que poderiam ser geoglifos", diz. Ranzi está envolvido na descoberta e estudos dos geoglifos desde 1977, quando o primeiro círculo foi encontrado pela equipe de arqueólogos liderada por Ondemar Dias. Na época, os pesquisadores encontraram estruturas de terras parecidas com trincheiras em sítios arqueológicos da região. Foi só com a vista aérea que ele pôde perceber a dimensão dessas figuras. Os primeiros geoglifos foram encontrados com outros materiais de presença humana, como fragmentos de cerâmica e lâminas de machado.

Até o momento, já foram identificados mais de 300 geoglifos. Eles se concentram principalmente no Acre, mas também foram encontrados nos Estados do Amazonas e Rondônia – muitas dessas estruturas podem ser vistas ao percorrer a BR-317, estrada que liga Rio Branco à fronteira Brasil-Peru-Bolívia. Há estruturas de forma circular, quadrangular, oval, hexagonal e em forma de "U", além de caminhos retos que se conectam.

Segundo Ranzi, faltam mais estudos para poder elaborar uma teoria sobre o motivo de essas formas terem sido produzidas. "A hipótese mais aceita é a de que os geoglifos seriam utilizados como centros cerimoniais ou locais de confraternização e festivais", disse. As figuras apresentam geometria perfeita, o que sugere um caráter simbólico. Por isso, a teoria principal é de que sejam locais de importância espiritual.

Outra hipótese é que as figuras geométricas são remanescentes de assentamentos fortificados, e as estruturas seriam partes de construções defensivas. Se essa teoria for verdadeira, os geoglifos seriam evidência da existência de sociedades muito mais complexas do que se imagina, sugerindo inclusive conflitos armados entre os povos da região. De qualquer forma, ainda é cedo para saber, e a pesquisa precisa se desenvolver mais para que essas teorias sejam testadas e comprovadas.

Também foram feitas poucas estimativas de datas até o momento, e elas variam muito –alguns estudos chegaram a indicar que os geoglifos podem ter sido construídos há mais de 2 mil anos. A estimativa mais aceita é de que a maior parte das estruturas foram criadas entre os anos de 800 e 1300, ou seja, pelo menos dois séculos antes dos portugueses chegarem ao Brasil. Segundo Ranzi, se os geoglifos foram construídos num determinado período de tempo, isso implica que uma grande população viveu na Amazônia na época. "Possivelmente os povos construtores de geoglifos pertenceriam a um mesmo grupo e com uma cultura muito similar", diz

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI244284-15228,00.html (01/07/2011)

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