Especial: A arqueologia da Amazônia e os atuais entraves da volta ao passado

Doutor em Arqueologia alerta que obras na região vão impedir estudos aprofundados.

Por Maria Marta Cursino

Eduardo Góes Neves é graduado em História pela Universidade de São Paulo e Doutor em Arqueologia pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Atualmente é professor e pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia na Universidade de São Paulo, onde ensina na Graduação e Pós-Graduação.

Neste final de abril, realizou-se uma conferência de imprensa no Centro de Computação Eletrônica da USP – CCE/USP em que Eduardo teve a chance de quebrar a imagem estereotipada do arqueólogo como aquele que vive preso ao passado e estuda civilizações antigas.

O professor e pesquisador tratou de questões contemporâneas da região Amazônica, que segundo ele é uma região fascinante sob vários aspectos. Para o arqueólogo, muitos dos problemas relacionados à Amazônia que temos no Brasil hoje em dia são reflexos, principalmente, da dificuldade do país em entender a Amazônia em seus próprios termos, como por exemplo, o caso da agricultura atual que é praticada na região e até que ponto essa atividade é sustentável ou não.

Mas, ao se observar a questão sob o ponto de vista do estereótipo do arqueólogo e deslocar o foco para passado amazônico, a arqueologia revela, segundo Eduardo, que há mais de 12 mil anos as populações chegaram junto à Amazônia e que a ocupação dessa área se dá desde o inicio da ocupação humana do continente americano.

A teoria tem mostrado que, em alguns muitos casos, as populações eram de fato muito bem adaptadas às condições ambientais das regiões amazônicas. O professor e pesquisador deixa claro que não acha “que a teoria vai salvar o mundo ou que poderemos ocupar a Amazônia com base no que a arqueologia tem a dizer para nós”, mas acha importante o conhecimento do assunto, pois “já que nós não estamos sabendo ocupar corretamente a região, é importante olhar para o passado das populações que foram mais bem sucedidas do que nós, para que talvez possamos aprender um pouco”.

Voltando à quebra do estereótipo do arqueólogo, Eduardo Góes Neves afirma que a ligação da arqueologia com o presente está no “ritmo vertiginoso o qual temos visto nesses projetos econômicos de ocupação da Amazônia que, apesar de serem por um lado importantes para o Brasil, geram um impacto muito grande sobre todo o patrimônio arqueológico da Amazônia.” Além disso, Eduardo acrescenta um fato interessante e pouco pensado.

“Hoje em dia temos uma relação política e econômica assimétrica entre o norte e o sul do país. A Amazônia, em geral, é uma região muito pobre, mas se olharmos para o passado colonial, notamos uma relação inversa, em que a Amazônia era uma região muito rica em que havia grande produção e diversidade cultural, que não era identificada no restante do país”, afirma.

Desse modo, tais projetos de desenvolvimento econômico, apesar de estarem acompanhados de leis ambientais e de preservação, suplantam a possibilidade de exploração e descobrimento do patrimônio arqueológico existente na região, um dos mais antigos do país, que poderia ser melhor entendido e estudado. O arqueólogo justifica essa impossibilidade pelo fato de nossa “limitação física e intelectual nos torna incapazes de fazer justiça à complexidade da situação em tão pouco tempo”, uma vez que as regiões de patrimônios arqueológicos na Amazônia já estão comprometidas pelos projetos de desenvolvimento econômico do país.

Amazonas e Nilo
Eduardo Góes Neves compara o que acontece periodicamente com o rio Nilo no Egito ao que ocorre com o rio Amazonas e seus afluentes no Brasil. Costuma-se dizer que “O Egito é uma dádiva do Nilo”, pois nas épocas de cheia, o Nilo transborda e fertiliza os terrenos adjacentes às suas margens.

O rio Amazonas nasce nos Andes, que é constituído por terrenos de fundo de oceano que acabaram sendo soerguidos devido à colisão das placas tectônicas, de modo que essa cordilheira possui muitos fósseis e sedimentos de animais e vegetais muito antigos. Por ser uma formação geológica recente, os terrenos dos Andes quando sofrem degelo, acabam tendo parte desses sedimentos e fósseis arrastados e misturados com as águas trazidas por seus afluentes, como o rio Madeira, fertilizando suas várzeas ao longo do caminho, assim como ocorre com o rio Nilo no Egito.

Eduardo ainda completa que “direta e indiretamente o rio Madeira sempre foi uma região de ocupação humana muito intensa e que as populações buscavam as regiões próximas a esse rio para a construção de seus assentamentos e aldeias.” De acordo com o arqueólogo, o problema é que essa é uma região muito pouco explorada arqueologicamente, pois há pouca gente trabalhando ali.

“Nós estamos tendo que estudar e entender a arqueologia das áreas que serão alagadas de forma muito acelerada, pois serão construídas barragens e então será praticamente perdido o acesso arqueológico a essas áreas num intervalo de três anos”, explica Eduardo.

Como se trata de uma área muito grande, o professor e pesquisador afirma ser humanamente impossível que os arqueólogos que estão trabalhando nessa área consigam produzir um estudo de reconhecimento de qualidade em tão pouco tempo e com, relativamente, poucos recursos financeiros, de maneira que grande parte desse patrimônio arqueológico importante será perdido.

Tapajós
O mesmo está ocorrendo com a região do rio Tapajós - completa Eduardo. No Alto Tapajós, onde se localiza talvez um dos patrimônios arqueológicos mais ricos da América Latina, há a previsão de construção de uma série de barragens que vão alagar uma área bastante grande, onde também não foi possível até hoje realizar um estudo de forma sistemática da arqueologia da região.

O problema que vem sendo enfrentado na Amazônia, e que o arqueólogo Eduardo Góes Neves diz ser preocupante, é o estágio de desconhecimento completo sobre a arqueologia de áreas amazônicas importantes, que é agravado pela dificuldade de se produzir um conhecimento científico de qualidade em um tempo tão curto.

Além disso, o pesquisador aponta para uma situação paradoxal na Amazônia: nunca se teve tanto dinheiro para investimentos em arqueologia e tanta gente trabalhando na região amazônica como se tem agora. Mas, ao mesmo tempo, a maneira e o ritmo dentro dos quais esses trabalhos estão ocorrendo estão pautados no mercado, nas grandes obras de engenharia, o que faz com que haja preocupação com a qualidade dos resultados que essas pesquisas serão capazes de trazer para nós.

Fonte: http://www.vnews.com.br/noticia.php?id=96309 (24/05/2011)

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